Marcos Roberto
dos Santos[1]
Para descrever essas práticas cotidianas que
produzem sem capitalizar, isto é, sem dominar o tempo, impunha-se um ponto de
partida por ser o foco exorbitado da cultura contemporânea e de seu consumo: a leitura. Da televisão ao jornal, da publicidade a
todas as epifanias mercadológicas, a nossa sociedade canceriza a vista, mede
toda a realidade por sua capacidade de mostrar ou de se mostrar e transforma as
comunicações em viagens do olhar. É uma epopeia do olho e da pulsão de ler. (CERTEAU,
2012, p. 47)
Sendo um texto de pesquisa positiva o livro “A
Invenção do Cotidiano: arte de fazer” Michel de Certeau (2012) apresenta um
raciocínio rigoroso onde compreende o desenvolvimento da ação cotidiana.
Compondo-se de alguns relatos há a pretensão de narrar práticas comuns.
Dedicado ao “homem ordinário”, que é tratado como um herói comum, “ordinário”
este no sentido de habitual.
Tendo como objeto de pesquisa o “livro”, como em meu
caso, é sempre interessante ter como base, que reforce a bibliografia, autores consagrados
como Michel de Certeau, Roger Chartier, Michel Foucault, entre outros que sejam
pertinentes ao tema. A proposta de minha pesquisa é olhar para o “livro”,
enquanto objeto físico, investigando qual papel/função ele ocuparia na relação
entre o leitor e a leitura e sua apropriação da teoria pedagógica, do professor
oriental Tsunessaburo Makiguti (1871 – 1944), na sociedade brasileira,
diretamente envolvida na construção de um sentido voltado para a educação
humanista.
Conforme Chartier (1999)
“O livro sempre visou instaurar uma ordem; fosse a
ordem de sua decifração, a ordem no interior da qual ele dever ser compreendido
ou, ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu a sua
publicação”. (CHARTIER,
1999, p. 8)
Para Certeau (2012) “o discurso normativo só “anda” se já houver tornado um relato, isto
é, uma lei historiada e historicizada, narrada por corpos”. Ainda complementa
dizendo que “uma credibilidade do discurso é em primeiro lugar aquilo que faz
os crentes se moverem. Ela produz praticantes. Fazer crer é fazer fazer”. (CERTEAU,
2012, p. 219, 220)
Surgindo assim, que na verdade é o que será
investigado, uma cultura e uma representação, vale abordar aqui “A História
Cultural: entre práticas e representações” de Roger Chartier (2002) ao dizer
que “as representações do mundo social, (...) embora aspirem à universalidade
de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de
grupo que as forjam”. (CHARTIER, 2002, p. 17)
Para Chartier (2002) as representações “ela é um dos
conceitos mais importantes utilizados pelos homens do Antigo Regime, quando
pretendem compreender o funcionamento da sua sociedade ou definir as operações
intelectuais que lhes permitem apreender o mundo”. (CHARTIER, 2002, p. 23) As
práticas de leitura dizem respeito aos espaços do individual e do social; e que
o ato de ler resulta de tensões estabelecidas entre leitores e comunidades de
interpretação, assim como dos textos e sua materialidade.
Ainda citando Chartier (1999) quanto ao acesso ao
impresso:
“não mais nas sociedades do Antigo Regime do que na
nossa, o acesso ao impresso não pode ser reduzido à exclusiva posse do livro:
nem todo livro é necessariamente possuído, e nem todo impresso mantido no foro
é necessariamente um livro”. (CHARTIER, 1999, p. 24)
Em sua obra “Educação para uma Vida Criativa”, meu
objeto de pesquisa, de Tsunessaburo Makiguti, publicado no Brasil em 1994, nos
brinda dizendo que a meta da educação deve ser buscar o entendimento do
significado e a finalidade da vida e, além disto, a maneira correta de viver.
A ideia da apropriação é entender se a leitura desta
obra, bem como a aplicação de sua teoria pedagógica, é introduzida com
passividade ou como uma “arte”, conforme comenta também Certeau (2012).
Esta “arte” Certeau (2012) comenta dizendo:
“A esta arte de leitores conviria comparar outras.
Por exemplo, a arte de conversar: as retóricas da conversa ordinária são
práticas transformadoras “de situações de palavra”, de produções verbais onde o
entrelaçamento das posições locutoras instaura um tecido oral sem proprietários
individuais, as criações de uma comunicação que não pertence a ninguém”. (CERTEAU, 2012, p.
49)
Assim, saber como os consumidores, ou mesmo os
leitores, se apropriam desta obra de Tsunessaburo Makiguti na sociedade
brasileira é a base de minha pesquisa propriamente dita. Ainda citando Certeau
(2012) é dito que “o sistema escriturístico anda automovelmente; ele se torna
auto-móvel e tecnocrático”. (CERTEAU, 2012, p. 206)
Conforme Chartier (2002) “a apropriação, tal como a
entendemos, tem por objectivo uma história social das interpretações, remetidas
para as suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais,
culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem”. (CHARTIER, 2002,
p. 26)
Segundo, ainda Chartier (1999) “as variações das
modalidades mais formais de apresentação dos textos puderam, então,
modificá-los, assim como mudaram os seus registros de referência e suas
maneiras de interpretação”. (CHARTIER, 1999, p. 18)
As formas que são empregadas, as maneiras de pensar
investidas em maneiras de fazer constituem um caso estranho – e maciço – das
relações que tais práticas mantêm com teorias, tudo conforme dito pelo próprio
Certeau (2012) modos de emprego, maneiras
de fazer, maneiras de utilizar, ou mesmo reempregadas, “se multiplicam com
a extensão dos fenômenos de aculturação, ou seja, com os deslocamentos que
substituem maneiras e “métodos” de transitar pela identificação com o lugar”.
(CERTEAU, 2012, p. 87)
De acordo com Chartier (1999)
“a transformação das formas e dos dispositivos
através dos quais um texto é proposto pode criar novos públicos e novos usos;
por outro lado, a partilha dos mesmos objetos por toda uma sociedade suscita a
busca de novas diferenças, aptas a sublinhar as distâncias existentes”. (CHARTIER, 1999,
p. 22)
Ainda de acordo com Chartier (2002)
“Do mesmo modo que as modalidades das práticas, dos
gostos e das opiniões são mais distintivas do que essas obras, as maneiras como
um indivíduo ou um grupo se apropria de um motivo intelectual ou de uma forma
cultural são mais importantes do que a distribuição estatística desse motivo ou
dessa forma”. (CHARTIER,
2002, p. 51)
Conforme Certeau (2012) diz que “as coisas que
entram na página são sinais de uma “passividade” de sujeito em face de uma
tradição; aqueles que saírem dela são as marcas do seu poder de fabricar objetos”.
(CERTEAU, 2012, p. 205) Somando-se a isto podemos citar Chartier (1999) quando
diz que “produzidas em uma ordem específica, que tem as suas regras, suas
convenções e suas hierarquias, as obras escapam e ganham densidades,
peregrinando, às vezes na mais longa jornada, através do mundo social”. (CHARTIER,
1999, p. 9)
Em partes Certeau (2012) comenta que “para ler e
escrever a cultura ordinária, é mister reaprender operações comuns e fazer da
análise uma variante de seu objeto”. (CERTEAU, 2012, p. 35)
Em A Arte de Ler ou como resistir à adversidade, de
Michèle Petit (2009) é comentado que:
“é delicado determinar status da palavra em
determinado grupo cultural, em determinada categoria social. Sem dúvida, a
necessidade de sentido, de narrativas, o desejo de dar forma à experiência são
universais. Entretanto, de um contexto a outro e dependendo da época, não
apenas as relações entre o oral e o escrito, as representações do livro e as
proibições relativas a esse objeto variam, mas também as formas da narratividade,
as funções da palavra e do silêncio tampouco são as mesmas”. (PETIT, 2009,
p. 133)
Para Chartier (1999) “o essencial é compreender como
os mesmos textos poder ser diversamente apreendidos, manejados e
compreendidos”. (CHARTIER, 1999, p. 16) Quando se põe no papel e expõem as
ideias, e quando se publicam e exibem suas obras, estudiosos, escritores
partilham seus pensamentos e intenções com seus semelhantes, e dessa maneira
influenciam a sociedade e a política.
Assim, este mesmo autor comenta que “com efeito,
cada forma, cada suporte, cada estrutura da transmissão e da recepção da
escrita afeta profundamente os seus possíveis usos e interpretações”. (CHATIER,
1999, p. 105)
Referências bibliográficas
CERTEAU, Michel
de. A Invenção do Cotidiano: Artes de
fazer. 19. ed. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes,
2012.
CHARTIER, Roger.
A Ordem dos Livros: leitores, autores e
bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução de Mary Del
Priori. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. 111p.
CHARTIER, Roger.
A História Cultural: entre práticas e
representações. 2ª ed. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Algés, Portugal:
DIFEL, 2002.
MAKIGUTI,
Tsunessaburo. Educação para uma vida
criativa: ideias e propostas de Tsunessaburo Makiguti. Tradução de Eliane
Carpenter. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
MATRIZES. Revista do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. Ano 5, nº 2
(jan./jun. 2012). São Paulo: ECA/USP/: 2012. 304p. 25 cm.
PETIT, Michèle. A arte de ler ou como resistir à
adversidade. Tradução de Arthur Bueno e Camila Boldrini. São Paulo: Ed. 34,
2009. 304p.
[1]
Mestrando em Educação e Saúde na Infância e Adolescência - Trabalho apresentado
à disciplina Estudos sobre Cultura Escolar da Universidade Federal de São Paulo
– UNIFESP.
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